É comum que a figura do advogado esteja muito atrelada ao conflito. De fato, o profissional do Direito é requisitado, na maior parte dos casos, para resolver problemas, ser mediador e condutor de uma solução para um atrito. Mas e se a gente inverter esse pensamento e passar a enxergar o advogado como um aliado na prevenção de problemas? A advocacia preventiva minimiza riscos, aumenta a segurança jurídica e evita muitos desgastes, principalmente quando estamos falando da proteção patrimonial.
Um exemplo bem claro: divórcio. Para muita gente, o advogado deve ser acionado no momento da separação. Mas quando isso acontece, o profissional está “fadado” a lidar com as decisões que já foram tomadas no passado. E é aí que a atuação preventiva merece atenção: quando é procurado para atuar no planejamento matrimonial, o advogado tem condições de orientar os casais a fazerem a melhor escolha diante da particularidade de cada relação. Mas como assim? Devo, então, “planejar” um divórcio? Pensar sobre isso não é atrair ou desejar que aconteça, mas estar preparado da melhor forma para essa possibilidade.
No “calor emocional” de um casamento, muitos casais tendem a passar batido por uma decisão muito importante: qual vai ser o regime de bens adotado? Conversar sobre esse tema entra num campo sensível para as pessoas, que é o do patrimônio e da sua possível divisão no futuro. Então, dialogar sobre esse assunto soa como uma “desconfiança”. É por isso que preparamos este conteúdo: para vencer a barreira de que debater o regime de bens é achar que o casamento é baseado em interesse e não em afeto. Vamos entender por que esse tema merece ser enxergado com outros olhos?!
A decisão é muito mais assertiva quando tomada num momento tranquilo do relacionamento
No início de uma relação, as partes estão equilibradas emocionalmente e no momento em que há o eventual divórcio, um dos cônjuges ou ambos estão mais fragilizados e aquilo que não seria uma dificuldade no início se torna um grande problema no final. Então quando algumas situações são antecipadas, não quer dizer que há uma desconfiança, mas sim que existe planejamento, precaução e zelo. Costumamos brincar que quando o relacionamento “azeda”, é muito mais difícil ter uma boa conversa para discutir e decidir com razoabilidade. Quando escolhido previamente, o regime de bens evita uma série de transtornos.
O advogado pode alimentar você de interpretações da lei que, sozinho, você não observaria
Como no Direito, nem sempre “2 + 2 = 4”, as correlações e interpretações contam muito. Isso porque, justamente, não estamos falando de uma equação matemática, mas sim de relações humanas que, por natureza, possuem muitas variáveis. Então, o que se aplica em um caso não é, necessariamente, a resposta para outro. Os pormenores, as particularidades de cada casal contam muito num planejamento matrimonial.
Por isso, nesse caso, é importante ter ao lado alguém que entenda de Direito Civil e Direito das Famílias. O código civil possui mais de dois mil artigos que não podem ser interpretados isoladamente. Por mais que uma situação esteja enquadrada em Direito das Famílias, ela “conversa” com os fatos jurídicos e com o Direito Sucessório. É preciso correlacionar as diferentes áreas e fazer uma “amarração” que dê a melhor alternativa para o caso específico do cliente.
O profissional da advocacia ajuda a convergir ideias
Existe o casal e existe a individualidade de cada um. Por isso, esse trabalho não se resume a uma única conversa com o advogado. Nesse caso, sempre marcamos uma entrevista com o casal e uma entrevista separada com cada noivo. Isso porque, apesar das ideias sempre parecerem estar alinhadas, o que passa na cabeça de um, nem sempre passa na cabeça do outro. Então, a escuta, alinhamento e convergência de ideias é uma etapa importante que o advogado ajuda a desenrolar da maneira mais assertiva para ambos os envolvidos.
O advogado elabora o pacto antenupcial, que pode prever outras regras além do regime de bens
Então, chega o momento de documentar tudo que foi acordado entre os noivos. É quando o advogado vai redigir todas as cláusulas do chamado “pacto antenupcial”, que precisa ser formalizado por meio de uma escritura pública em um cartório de notas, levado ao cartório na celebração do casamento e depois registrado no cartório de registro de imóveis do primeiro domicílio do casal, além de averbado em cada matrícula dos imóveis existentes. A informação primordial é a escolha do regime de bens que pode variar entre as seguintes opções:
- Comunhão parcial de bens: É o mais comum no Brasil. Formam-se três massas patrimoniais: tudo que o cônjuge tinha antes do casamento continua sendo patrimônio particular de cada um e tudo que for adquirido onerosamente, ou seja, tudo que for comprado na constância do casamento passa a ser do casal, independente de ficar registrado somente em nome de um dos cônjuges. Ou seja, o que é meu continua sendo meu, o que é seu continua sendo seu e o que comprarmos juntos ao longo do casamento é nosso;
- Comunhão universal de bens: Forma uma única massa patrimonial, então a partir do casamento, todos os bens móveis e imóveis de cada cônjuge passam a ser patrimônio do casal e tudo que for adquirido no decorrer do casamento também será dos dois, independente de ficar registrado somente em nome de um dos cônjuges;
- Separação absoluta de bens: Nesse caso, não vai existir nenhum patrimônio conjunto, os bens de cada cônjuge continuam sendo de cada um e a administração desse patrimônio é exercida individualmente. Em caso de divórcio, não há partilha de bens, contudo, esse regime atribui direito à herança ao cônjuge sobrevivente, situação que é muitas vezes contrária à vontade desse casal;
- Separação obrigatória de bens: Esse regime, apesar de aparentemente “separar” o patrimônio do casal, na verdade em eventual divórcio se assemelha muito à comunhão parcial de bens, ou seja, o patrimônio adquirido por meio de compra na constância do casamento pode ser partilhado entre os cônjuges sim! Já em caso de viuvez, não há nenhum direito hereditário ao cônjuge sobrevivente. É obrigatória a adoção desse regime para quem casa ou vai estabelecer uma união estável com mais de 70 anos, para as pessoas que não fizeram a partilha de bens do casamento anterior, seja porque é divorciado ou viúvo. Ou para pessoas que precisam de autorização judicial para casar, que são aquelas entre 16 e 18 anos.
- Participação final nos aquestos: esse regime traz maior liberdade aos cônjuges na administração do patrimônio individual, pois é como se o casal estivesse firmando uma relação empresarial quanto aos bens. Em eventual divórcio será necessário fazer um levantamento contábil do patrimônio e dos gastos para, no final, cada um ter uma participação nos chamados “aquestos”, ou seja, naquilo que teve um acréscimo. É um regime mais complexo, que exige a assessoria de um advogado e de um contador e, por isso, é mais desconhecido e pouco adotado.
Parece simples lendo assim de uma forma bem resumida e didática. Mas cada regime tem seus prós e contras dependendo da realidade do casal. É por isso que para estar bem ciente e informado das repercussões da escolha tanto em eventual divórcio quanto na viuvez, é importante que isso seja feito com a ajuda de um advogado especialista em Direito das Famílias e Sucessões, pois existem outros pontos que merecem ser regulamentados nesse pacto. Ah, “e se eu não quiser pensar e decidir sobre isso?”. A lei escolherá por você. E o regime adotado automaticamente nesses casos é a comunhão parcial de bens, exceto se você tiver mais de 70 anos, for viúvo ou divorciado e não tenha realizado a partilha de bens do casamento anterior, afinal, nesses casos o regime imposto pela lei é o da separação obrigatória de bens.
Difícil entender isso, não é mesmo?!
E não estamos falando só de casamento. É possível elaborar contrato para união estável e até para namoro
Essa relação contratual estabelecida nos casos de casamento também pode ser aplicada em casos de união estável (quando duas pessoas se unem, de forma duradoura, contínua e com convivência pública, com o objetivo de constituir família). Nesse caso, estamos diante de um pacto convivencial. Mas e se um casal apenas namora e quiser regrar o relacionamento para proteger o patrimônio? Existe essa possibilidade, mas observando alguns detalhes.
Regras patrimoniais podem sim ser estabelecidas para casos de namoro qualificado, mas esse contrato só é válido enquanto essa relação se configurar realmente como um namoro. Se essa formatação muda, o regramento também deve mudar. Por exemplo, se o relacionamento se prolonga e/ou um filho (planejado ou não) surge, essa relação continua sendo namoro? A interpretação é de que houve uma mudança que levou o casal para o status de união estável. Então, o contrato de namoro só vai valer nos casos em que o relacionamento começar e terminar dentro da configuração de namoro.
Caso o namoro avance para uma união estável toda a proteção legal será dada para esses conviventes, independentemente de terem, no início da relação, estabelecido um contrato de namoro.