Reflexões sobre a propriedade intelectual: quem é o dono de uma obra criada por Inteligência Artificial?

24 de fevereiro de 2023

Leia os parágrafos com atenção e perceba: você é capaz de identificar se esse texto foi criado por uma máquina ou por um humano?

“Com o avanço da tecnologia, a criação de obras por meio da inteligência artificial se tornou uma realidade. Essas obras, como textos, imagens, músicas e até mesmo roteiros de filmes, levantam questões sobre o direito à propriedade intelectual e quem seria o proprietário dessas obras.

Em relação a patentes e marcas, não há dúvidas de que o proprietário seria o dono do programa de computador ou da tecnologia que possibilitou a criação da obra de inteligência artificial. Porém, quando se trata de direitos autorais, a questão é mais complexa.

Em geral, os direitos autorais são concedidos ao autor ou criador da obra, e a inteligência artificial, por definição, não é considerada um autor. No entanto, a legislação de direitos autorais varia em diferentes países, e muitos deles ainda não consideram a criação de obras de inteligência artificial.”

Esses foram os três primeiros parágrafos de um texto gerado pelo ChatGPT, plataforma de Inteligência Artificial criada pela OpenAI, quando pedimos que ela criasse um post de blog sobre como fica o direito à propriedade intelectual em casos de obras feitas pela Inteligência Artificial. E aí, conseguiu notar alguma diferença em relação ao que poderia ser escrito por uma pessoa? Difícil, não é? A plataforma nos entregou um texto claro, coerente, dentro das regras gramaticais. Mas se publicássemos esse texto na íntegra aqui, poderíamos considerar que esse conteúdo é de autoria de um profissional do escritório Boschirolli & Gallio Advogados?

Eis a pergunta que tem gerado muito debate nas últimas semanas: quem é o dono de um texto ou imagem criados por meio da Inteligência Artificial? Nosso advogado especialista em Inovação e Tecnologia, Alex Gallio, vem estudando o tema e refletindo sobre os reflexos dele na legislação. Neste post, vamos compartilhar essas reflexões para entender um pouco do que nos espera: juridicamente falando, qual é o futuro da IA?

O direito à propriedade intelectual e o “boom” da Inteligência Artificial

A propriedade intelectual é um conjunto de normas legais que garante o direito sobre qualquer obra desenvolvida pela mente do ser humano: uma invenção, um livro, um desenho. A lei garante que o criador desse produto tem direito a explorar a criação desenvolvida por ele.

Para registrar essas criações existe no Brasil o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), inclusive, para registro de marcas e patentes. Para isso, é preciso seguir um cronograma de atos, apresentar a criação e, se não houver nenhuma oposição de terceiros, aí sim a obra é registrada. Só então, depois desse registro, é que o direito à propriedade intelectual passa a valer. Sem isso, qualquer pessoa ou empresa pode se apropriar dessa criação. Naturalmente, nesses casos, o judiciário acaba sendo envolvido para identificar quem criou primeiro.

Mas e quando essa criação é feita por meio de uma plataforma de Inteligência Artificial? Quem pode “assinar” essa obra? É possível requerer direitos autorais de um texto criado pela IA?

Esse é um tema que está começando a ser debatido agora e não existe ainda uma conclusão. Existem alguns entendimentos de que a propriedade é do desenvolvedor do algoritmo que criou a Inteligência Artificial. Mas existem outras vertentes que dizem que o dono é quem deu os comandos para que a obra fosse criada. Então, me parece que há aí uma coautoria, porque a IA não criaria se não houvesse o comando do usuário.” (Alex Gallio, advogado especialista em Inovação e Tecnologia)

 E como fica o plágio nessa história?

Se a Inteligência Artificial elabora um texto com base nos dados já existentes na internet, ela se baseia em informações já criadas por outras pessoas, certo? É nesse ponto que mora um perigo: há possibilidade de você estar navegando por um site ou uma rede social e se deparar com um texto seu sendo usado por outra pessoa que “criou” esse conteúdo pela plataforma de IA. E aí, podemos considerar isso como um plágio?

“Como a plataforma ficou muito conhecida em pouco tempo, as pessoas começaram a explorar e testar, já existem até livros publicados baseados no conteúdo da Inteligência Artificial. Para ter uma condição ética/moral, você precisaria reconhecer que essa criação se deu com a ajuda da IA. Existem plataformas que identificam se há pirataria entre marcas, patentes. Naturalmente, vai surgir uma plataforma também que identifica a autoria da criação. A própria OpenAI, criadora do ChatGPT, já criou uma ferramenta que aponta qual a probabilidade de um texto ter ou não sido escrito por Inteligência Artificial. Então vai ficando mais fácil de fazer essa diferenciação, mas esse debate ainda vai se acalorar”. (Alex Gallio, advogado especialista em Inovação e Tecnologia)

Já existe regulamentação do uso da Inteligência Artificial?

Não há ainda, nem no Brasil nem no mundo, uma legislação que prevê as obras criadas pela IA. O debate sobre o tema ainda está bastante embrionário. E essa regulamentação vai precisar abranger muitas situações, já que o uso da IA vai muito além da propriedade intelectual. Alguém aí já fez ou ouviu alguém falar que fez uma consulta médica por meio da Inteligência Artificial? Escutou alguém dizendo que criou dietas pela IA? Isso gera um reflexo perigoso, que precisa de regulamentação, mas esse não é um caminho fácil e rápido.

“Por exemplo, se formos considerar o marco legal dos criptoativos, que foi promulgado em 2022, nós levamos 14 anos desde o lançamento do bitcoin, em 2008, até agora. Porque o estudo, o aprofundamento teórico e prático disso é longo. Países mais desenvolvidos talvez lancem suas legislações sobre a Inteligência Artificial antes e nós vamos ter que trazer para a realidade brasileira”. (Alex Gallio, advogado especialista em Inovação e Tecnologia)

E, então, qual será o futuro?

Estamos diante de um contexto que nos faz acreditar que caminhando é que o caminho será feito. Hoje, por exemplo, o ChatGPT sequer tem termos de uso ou política de privacidade. Essa política vai ter que ser criada, até porque já existe uma versão paga da plataforma e isso pode gerar questionamentos, inclusive, da área de Direito do Consumidor, seguindo a lógica de que se o usuário está pagando, então tem direito a ter dados protegidos.

Outras questões também podem surgir. Se, por exemplo, solicitarmos para a IA uma receita ou orientação médica e isso depois gera um dano para a saúde, então os criadores da plataforma podem ter responsabilidade civil, criminal e indenizatória em cima disso.

“É preciso ter cautela e precaução justamente sobre os dados lançados para essa IA. Nós temos a Lei Geral da Proteção de Dados (LGPD), que protege dados sensíveis de natureza pessoal, raça, cor, sexo, doenças… Até onde a IA está captando informação das nossas redes internas para usar nessa inteligência que desenvolve produtos, ideias e tudo mais? Precisamos entender se essa plataforma vai ter condição de nos dar direitos baseados na LGPD. Vai demorar para que o estado regulamente, mas não engesse todo um mecanismo que pode ser muito útil. Até lá, provavelmente as jurisprudências vão nos dando o norte sobre uma legislação específica”. (Alex Gallio, advogado especialista em Inovação e Tecnologia)

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